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A constitucionalidade da transferência de concessões sem licitação

Direito Administrativo - 6 de junho de 2022

A constitucionalidade da transferência de concessões sem licitação

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*Artigo publicado originalmente na coluna Público & Pragmático, da revista Consultor Jurídico, no dia 29 de maio de 2022

Por Mariana Carnaes* e Gustavo Justino de Oliveira**

No ano de 2003, uma possível inconstitucionalidade do artigo 27 da Lei nº 8.987/1995 (lei das concessões e permissões de serviços públicos) foi colocada em discussão pela Procuradoria-Geral da República (PGR) através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.946, cujo argumento era a incompatibilidade daquele normativo jurídico com o artigo 175 da Constituição Federal.

O artigo 27 da Lei nº 8.987/1995 expressa ser necessária a anuência prévia do poder concedente para a transferência da concessão ou do controle acionário da concessionária, bastando, para tanto, que a pretendente atendesse as exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira, regularidade jurídica, regularidade fiscal e, ainda, se comprometesse a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor [1]. A ausência de menção do artigo quanto à necessidade de uma nova licitação foi notada pela PGR, que o confrontou tanto com o artigo 26 § 1º da mesma lei [2] — que exige a licitação (na modalidade concorrência) para a subconcessão do serviço público — como com o já mencionado artigo constitucional 175, o qual dispõe que no caso de regime de concessão ou permissão, a prestação do serviço público ocorreria “sempre” através de licitação [3].

Inicialmente, o ministro Relator Dias Toffoli havia se posicionado contrariamente à transferência sem nova licitação. Contudo, após oitiva de players do setor, autoridades públicas e assim como a ponderação de pareceres jurídicos juntados aos autos, o relator mudou seu posicionamento para favorável à operação sem prévia concorrência, cuja proposta foi aderida pelos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux. André Mendonça, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, confirmando, por 7 votos a 4, a constitucionalidade do normativo [4].

O Senado Federal — corroborado pela AGU — argumentou pela preservação da supremacia do interesse público ao considerar constitucional o normativo, vez que estar-se-ia assegurando a continuidade do serviço público nos exatos termos em que foi licitado, já que as condições originais do contrato devem ser obrigatoriamente respeitadas. O presidente da República acresceu a sustentação de que o negócio jurídico é efetivado mediante pessoas de direito privado com anuência da Administração, sendo injustificada uma nova licitação.

Em parecer, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, opinou pela idêntica constitucionalidade do normativo, argumentando sobre: (1) a manutenção da pessoa jurídica concessionária, ainda que haja transferência de controle acionário; (2) a flutuação natural na gestão e execução dos contratos de concessão que possuem prazos alongados, cuja alteração se submete à anuência prévia (controle) do poder concedente; (3) a preservação das condições do certame original, no caso de transferência da concessão, sem descarte, portanto, da licitação realizada; (4) o cumprimento ao princípio da finalidade que é a execução do contrato de concessão nos moldes em que foi licitado (sem ferimento, portanto, da impessoalidade, isonomia ou concorrência).

Em vista de tudo, em 2022, o ministro Dias Toffoli decidiu no sentido de que, no sistema jurídico da licitação, importa a seleção da proposta mais vantajosa, independentemente da identidade do particular contratado (desde que, claro, tenha cumprido com as premissas licitatórias iniciais), sendo ela que vincula a decisão administrativa. Sendo assim, no contexto complexo, dinâmico e duradouro dos contratos de concessão, é inclusive salutar que o regime jurídico das concessões permita aos concessionários que se ajustem à dinâmica da execução contratual, garantindo a continuidade do serviço público nos moldes originariamente contratados.

Referências

* Mariana Carnaes é advogada especialista em Direito Regulatório, membra da Infrawomen Brazil e da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB-SP, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, doutora em Direito Administrativo pela USP e autora do livro “Compromisso de Ajustamento de Conduta e a Eficiência Administrativa”.

** Gustavo Justino de Oliveira é professor de Direito Administrativo na USP e no IDP (Brasília), árbitro, consultor, advogado especializado em Direito Público e fundador do escritório Justino de Oliveira Advogados

[1] Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. § 1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá:

I – atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

II – comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

[2] Artigo 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.

§ 1º. A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.

§ 2º. O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.

[3] Artigo 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[4] Vencidos os ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, para quem a ausência de licitação prévia à transferência macula a isonomia, a moralidade, a transparência e a obrigatoriedade da licitação.