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Inovações na solução de conflitos públicos: o Resolve e o Pacifica na AGU

Direito Administrativo - 7 de agosto de 2024

Inovações na solução de conflitos públicos: o Resolve e o Pacifica na AGU

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*Artigo publicado originalmente no ConJur, no dia 04 de agosto de 2024

Gustavo Justino de Oliveira

Gabriela Fernandes

Recentemente, o governo federal adotou duas inovações de natureza consensual na esfera da administração pública. Por meio do Decreto nº 12.091/24 [1], foi instaurada a Rede Federal de Mediação e Negociação (Resolve), no âmbito da administração pública federal, bem como a Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica), instituída no âmbito da Advocacia-Geral da União, por meio da Portaria nº 144/24 [2].

O Decreto dispõe em seu artigo 1º que a Resolve é destinada a organizar, promover e aperfeiçoar o uso da autocomposição de conflitos por meio da mediação e da negociação como ferramentas de gestão e de melhoria da execução de políticas públicas. Logo, são seus objetivos principais 1) promover a atuação estratégica da administração pública federal nos procedimentos de mediação e negociação; 2) estimular a solução de conflitos por meio da mediação e da negociação, com vistas a: a) prevenir e superar os entraves na execução de políticas públicas; e b) reduzir a litigiosidade e diminuir o contencioso judicial e administrativo.

Em paralelo à Lei nº 13.140/2015 [3], a qual dispõe sobre os métodos extrajudiciais de solução de conflitos [4], pode-se observar que o referido decreto busca tão somente aperfeiçoar as técnicas de autocomposição, e não as inovar, uma vez que a referida lei dispõe que os órgãos da administração pública direta e indireta podem utilizar dos ADR (Alternative Dispute Resolution), a fim de estimular a solução de controvérsias de forma consensual.

Sendo assim, a estrutura organizacional da Resolve contará com a existência de um 1) órgão superior: comitê gestor; 2) órgão central: Advocacia Geral da União (AGU); 3) unidades setoriais de mediação; 4) unidades setoriais de negociação: equipes responsáveis por transação ou por acordos judiciais e extrajudiciais e 5) pontos focais designados. Posto isso, é imprescindível tratar sobre os órgão responsáveis por viabilizar o funcionamento da Resolve.

Implementação, funcionamento e parcerias

Segundo dispõe o artigo 7º: “ato das autoridades máximas da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos instituirá o comitê gestor de que trata o art. 6º, caput, inciso I, com a finalidade de promover, apoiar e acompanhar a implementação e o desenvolvimento das atividades da Resolve, e de realizar a articulação interinstitucional necessária para esses fins”. Ademais, o ato de que trata o artigo 7º será responsável por dispor sobre a composição do colegiado, as suas competências e o seu funcionamento.

O órgão central será competente por 1) viabilizar a atuação estratégica da administração pública federal nos procedimentos de mediação e negociação 2) monitorar e apoiar as atividades das unidades setoriais; 3) propor indicadores e parâmetros para o monitoramento gerencial da Resolve; 4) promover a articulação entre os integrantes da Resolve; 5) articular-se com os órgãos correlatos de diferentes entes federativos e esferas do setor público para disseminar e promover a melhoria dos procedimentos de mediação e negociação, entre outros.

 

Por fim, o órgão central da Resolve poderá estabelecer parcerias e outros instrumentos de cooperação com câmaras de mediação ou negociação, ou com órgãos e entidades que possuam competências nessas matérias, no âmbito da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal, inclusive empresas estatais, com o propósito de 1) promover intercâmbio de informações sobre mediação e negociação na administração pública; 2) contribuir com subsídios e recomendações de boas práticas que possam ser incorporadas à Resolve; e 3) fomentar ações conjuntas de capacitação em matéria de mediação e negociação na administração pública.

 

Concepção, suspensão e revogações

A Resolve surgiu, assim, por iniciativa da AGU, e, segundo o advogado geral da União, ministro Jorge Messias, em evento sobre o tema promovido pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP): “A partir da aprovação desse decreto, cada ministério, autarquia e instituição pública terá um agente de mediação e negociação, capacitado por nós da AGU. É necessário que possamos engajar os gestores nesta área” [5].

 

No entanto, no dia 5 de julho, a Secex Consenso do Tribunal de Contas da União suspendeu as reuniões das Comissões de Solução Consensual em andamento, a fim de esclarecer dúvidas sobre os dispositivos do decreto, diante dos apontamentos acerca do impacto do novo ato no andamento das comissões.

 

No dia 25 de julho, o governo decidiu revogar os artigos 13 [6] e 14 [7] do referido decreto, responsáveis por disciplinar a atuação da Advocacia-Geral da União nos procedimentos de mediação e negociação, tendo impactado o engajamento dos gestores nas instituições, conforme mencionado pelo ministro Messias.

 

Com isso, a revogação parcial do decreto refletiu a complexidade e a necessidade de ajustes contínuos nas políticas públicas para garantir a sua eficácia e aceitação, bem como sublinhar a importância da solução consensual como meio de promover um ambiente de colaboração, eficiência e transparência, contribuindo para o bom funcionamento das instituições governamentais.

 

Pacifica

Já a Portaria nº 144 da AGU regulamenta a utilização da Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica), no âmbito da Procuradoria-Geral Federal, com a finalidade de viabilizar a adoção, em larga escala, de solução extrajudicial de conflitos de maneira eletrônica, por meio da utilização intensiva de automação e recursos tecnológicos em matérias de interesse das autarquias e fundações públicas federais.

 

Por conseguinte, os objetivos principais da instituição da Pacifica no âmbito da Procuradoria-Geral Federal são: 1) contribuir para a redução da litigiosidade, evitando a propositura de ações judiciais e os custos dela decorrentes, quando houver meios mais adequados à solução de conflitos; 2) consolidar papel proativo da Procuradoria-Geral Federal na gestão de conflitos não solucionados administrativamente no âmbito das autarquias e fundações públicas federais; 3) – proporcionar maior eficiência na gestão pública, otimizando recursos financeiros e humanos; e 4) estimular a cooperação entre os órgãos de contencioso e os órgãos de consultoria da Procuradoria-Geral Federal, visando à solução consensual de conflitos;

 

Conforme o artigo 4º, a Pacifica será implementada por meio 1) da disponibilização de um canal digital para o recebimento de solicitações de composição amigável após a negativa administrativa de pleito deduzido perante autarquias e fundações públicas federais com potencial de judicialização; 2) do estabelecimento de fluxos e rotinas de trabalho com alto grau de automação para a análise da solicitação e a oferta de proposta de acordo extrajudicial; e 3) do cumprimento do disposto no termo de acordo extrajudicial, preferencialmente de modo automatizado, para a concretização rápida e efetiva em favor do cidadão.

 

Nesse contexto, a Pacifica surge como um meio eletrônico de resolução de conflitos (Merc) [8], comumente adotado por agências reguladoras do Brasil, que com seus poderes de fiscalização, normatização e regulação, realizam suas atividades com o apoio das tecnologias de informação e comunicação (TICs), uma vez que sua criação se deu com o momento de crescimento do uso da Internet [9].

 

Dessarte, é imprescindível analisar se a plataforma Pacifica oferece um mecanismo de negociação efetiva. Schmidt-Kessen, Nogueira e Gamito entendem que “o procedimento adotado pelas agências reguladoras, por exemplo, não oferece a possibilidade de negociação plena, já que não há engajamento do sistema de informação com os participantes da negociação” e ressaltam que “a falta de interação dos MERC das agências reguladoras brasileiras é o que os distingue dos mecanismos de ODR [10] usualmente adotados, por exemplo, em países da União Europeia” [11].

 

Ao analisar os requisitos que devem estar presentes no sítio eletrônico da Pacifica, pode-se observar que um deles é a necessidade de: 2) permitir a comunicação assíncrona e online entre as partes para a negociação extrajudicial. Com tal exigência, apenas o oferecimento de uma negociação que possibilite uma real interação entre as partes irá permitir a classificação da plataforma Pacifica como um mecanismo ODR [12].

 

Conclusão

Diante desses apontamentos, é possível concluir que a criação da Resolve e Pacifica irá contribuir para a redução do número de processos se o procedimento for adotado de maneira efetiva. Ademais, as ações do INSS irão inaugurar o mecanismo da nova plataforma. Portanto, a criação desses novos mecanismos reforça o compromisso do poder público em fomentar a cultura da mediação e negociação, mas também institucionaliza definitivamente o caminho preferencial da busca de soluções negociadas dos conflitos públicos como uma política de Estado no país.

 


[1] Mais em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/D12091.htm.

[2] Mais em: https://legis.agu.gov.br/intralegis/Atos/TextoAto/308473.

[3] Mais em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm.

[4] “A partir das informações estatísticas e do panorama traçado das atividades do Poder Judiciário em todo o país, o CNJ tem trabalhado na formulação de uma série de políticas públicas a fim de solucionar os problemas identificados na estrutura do Judiciário e de aprimorar a prestação jurisdicional. Dentre as ações implementadas pelo órgão estão o incentivo à adoção dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASCs), tais como mediação e conciliação; a virtualização do Poder Judiciário; a criação de metas orientadas para redução do estoque de processos, dentre outras” (LIMA, Gabriela Vasconcelos. Adoção de Soluções em Online Dispute Resolution como Política Pública para o Poder Judiciário: um panorama da situação brasileira. Dissertação, Mestrado Acadêmico, Universidade de Fortaleza. Programa de Mestrado em Direito Constitucional. Fortaleza, 2016, p. 66).

[5] Mais em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-anuncia-criacao-de-rede-de-mediacao-e-negociacao-na-administracao-publica

[6] Art. 13.  A participação e o assessoramento da Advocacia-Geral da União são obrigatórios quando as mediações e as negociações envolverem a União ou as suas autarquias e fundações, de modo a garantir a segurança jurídica e o controle de legalidade. (Revogado pelo Decreto nº 12.119, de 2024)

[7] Art. 14.  O ingresso de órgãos e entidades da administração pública federal em procedimento de solução consensual de controvérsias no âmbito do Tribunal de Contas da União deverá ser autorizado pela Advocacia-Geral da União.     (Revogado pelo Decreto nº 12.119, de 2024)

Parágrafo único.  Os órgãos e as entidades que tiverem ingressado em procedimentos que estiverem em curso na data de entrada em vigor deste Decreto, no âmbito do Tribunal de Contas da União, deverão contar com a participação e o assessoramento jurídico da Advocacia-Geral da União. (Revogado pelo Decreto nº 12.119, de 2024)

[8] “Sobressai em meio as iniciativas do conselho a valorização do uso das novas tecnologias em todas as esferas de atuação da função jurisdicional. Num contexto de transformações da sociabilidade geradas por inovações tecnológicas e pelo intenso uso de comunicação em tempo real, percebeu-se a necessidade de reavaliação das formas atuais de solução de conflitos e de sua atualização para adequarem-se à realidade contemporânea. A quase onipresença das comunicações em rede mediada pelos dispositivos móveis como smartphones e tablets repercutem diretamente na forma como as pessoas se comunicam, interagem, fazem negócios e convivem” (LIMA, Gabriela Vasconcelos. Adoção de Soluções em Online Dispute Resolution como Política Pública para o Poder Judiciário: um panorama da situação brasileira. Dissertação, Mestrado Acadêmico, Universidade de Fortaleza. Programa de Mestrado em Direito Constitucional. Fortaleza, 2016, p. 66).

[9] “A ascensão do uso das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs), assim, impõe transformações basilares na forma como o Sistema de Justiça se desenvolve e como as normas jurídicas incidem sobre o chamado ciberespaço. Não se pode medir exatamente qual o impacto destas tecnologias na autoridade e no poder dos Estados, enquanto órgãos responsáveis pela elaboração, execução e fiscalização das leis. Estas transformações atingem níveis ainda mais básicos, no sentido em que redefinem o próprio conceito de lei e sua formação e evolução” (Ibidem, p. 66-67).

[10] “O uso massivo e difuso destas novas formas de comunicação criou um cenário propício para o surgimento do modelo de Online Dispute Resolution (ODR) ou, em português, Métodos de Solução de Conflitos em Rede, no ordenamento jurídico estrangeiro e a importação do conceito para o Brasil. No Brasil, o conceito ganhou destaque no âmbito do Sistema de Justiça apenas em 2016, como forma não só de ampliar e democratizar a adoção dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos, como também de uní-los às ações de virtualização do Poder Judiciário” (Ibidem, p. 67).

[11] SCHMIDT-KESSEN, Maria José; NOGUEIRA, Rafaela; GAMITO, Marta Cantero. Sucess or Failure? Effectiveness of Consumer ODR Platforms in Brazil and the EU. CBS Law Research Paper, n. 19-17, 19 abr. 2019 apud SALINAS, Natasha Schmitt Caccia; GUERRA, Sérgio. Resolução eletrônica de conflitos em agências reguladoras. Revista Direito GV, v. 16, n. 1, jan./abr. 2020.

[12] “A ODR consiste na utilização da tecnologia no processo de solução de conflitos, seja na totalidade do procedimento ou somente em parte deste. Dentre os procedimentos que podem adotar ODRs como forma de solução estão: a arbitragem, mediação, conciliação ou negociação, que o fazem por intermédio de ferramentas automatizadas (total ou parcialmente). Esta solução representa uma forma de virtualização plena, em que um procedimento nasce e morre no ambiente virtual, sem necessidade de passar por etapas presenciais ou no espaço forense” (LIMA, Gabriela Vasconcelos. Adoção de Soluções em Online Dispute Resolution como Política Pública para o Poder Judiciário: um panorama da situação brasileira. Dissertação, Mestrado Acadêmico, Universidade de Fortaleza. Programa de Mestrado em Direito Constitucional. Fortaleza, 2016, p. 67).